Nunca foi esclarecida a data da criação do concelho das Lajes, que abrangia, desde o início, toda a ilha do Pico. Creio mesmo que não será possível.
O investigador jorgense Dr. João Teixeira Soares de Sousa escreve, numa nota publicada no “O Respigador” o seguinte esclarecimento: “É facto geral, e sem uma única excepção, a ignorância dos títulos diplomáticos da creação das villas, primitivas alçadas, ou sedes das capitanias. Taes são: Em Santa Maria, a villa do Porto; em S, Miguel, villa Franca do Campo; na Terceira, a Praia e Angra; na Graciosa, Santa Cruz; em S. Jorge, as Velas; no Fayal, a Horta; No Pico, as Lages; Nas Flores, Santa Cruz. “
No “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, escrito por volta de 1660, e que só veio a ser publicado na totalidade em 1989, com erudito prefácio do Professor Doutor Artur Teodoro de Matos, (não interessa agora recordar as bolandas porque o manuscrito andou) refere Frei Diogo das Chagas: (2)
“Não havia pollo tempo que se passou o primeiro mandato, até ao ano de 1504, pêra 1505, naquella Villa das Lagens, que era Prochia de toda a Ilha, (e muitos annos depois não ouve outra) mais de hum Juiz, e hum Vreador, e hum procurador do Concelho, e do(u)s ou tres homens bons, os coais em Câmara fa(z)ião as posturas e mais cousas que conuinhão para o bom governo da Ilha.”
E, se outros fossem os factos, Frei Diogo das Chagas não os teria esquecido, pois, no Prefácio referido, diz o seu Autor: “Contendo matéria em grande parte diferente, mas de incontestável interesse histórico, é o capítulo dedicado à ilha do Pico. Trata, é certo, como os respeitantes às demais ilhas, do descobrimento desta parcela açoriana, da descrição da mesma, das suas paróquias e ermidas, dos vigários, da população e de vários casos dignos de memória. No entanto insere documentos muitíssimo curiosos acerca dos primeiros cortes de arvoredos, dos jardins, dos vários artífices que houve na ilha nos primeiros tempos do povoamento, etc. Enfim, um acervo de interessantes notícias através das quais poderemos em certa medida, reconstituir a vida social picoense nos primeiros dois séculos de vida humana, nas regiões correspondentes às vilas das Lajes, de S. Roque e da Madalena.”
Frei Diogo das Chagas era irmão de sangue de Frei Mateus da Conceição, guardião do convento franciscano das Lajes. Andou pela Província franciscana em visita canónica e, naturalmente, deve ter-se demorado na vila das Lajes, algum tempo, tendo por isso tempo de copiar do arquivo municipal, que não seria muito, os documentos que transcreve na sua notável obra.
A propósito, Lacerda Machado refere: “Da elevação da antiga povoação ao foro de vila, não chegou até nós documento algum. Mas a data desse facto, que marca o início da organização municipal da ilha, sabe-se que é anterior a 1501. E refere o alvará passado em 14 de Maio de 1501, passado pelo 2º capitão donatário Joz de Utra, filho, a favor de Fernão Alvares, primeiro povoador da ilha, “pª dar licensa pª poderem ir aos matos tomar os gados brabos & buscar os mansos”.(3)
E argumenta este Autor: “Ora, tendo as eleições lugar no verão, e sendo o citado alvará de Maio de 1501, conclui-se que a vereação que então servia fora eleita no verão de 1500, em consequência, presumivelmente, de documento régio, criando a vila, sede do primeiro município”.(4)
Não terão os povoadores trazido consigo aqueles que iam governar o novo território? É natural que assim tenha acontecido pois o Infante ao organizar o povoamento das Ilhas, tudo deve ter providenciado. Veio o Pároco, vieram os animais, as alfaias agrícolas, as sementes. Naturalmente, vinham aqueles que administrariam os novos territórios: um Juiz, um Vereador, um procurador do concelho e dois ou três homens bons, embora subordinados a um capitão - donatário, que preferiu ficar pela Madeira... O caso de Fernão Alvares é um puro acidente. Não conheciam a enseada do Castelete e, com o levantar do mar, julgaram que uma tempestade se aproximava. Fugiram para só voltar no verão seguinte.
Entende-se que o Alvará de 14 de Maio de 1501 seja o primeiro documento oficial respeitante ao novo concelho. E assim sendo, porque não estabelecer essa data como dia do concelho?
1) O Respigador, jornal jorgense, nº14 de 20/1/1889
2) Frei Diogo das Chagas, “Espelho Cristalino...”, 1989, pag.509
3) F. S. Lacerda Machado, “História do Concelho as Lages”,1936, p.85
4) Ibidem
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